Monday 23 March 2009

14 anos em África

E quem diria que são 14 anos de África! Mas é uma ilusão, com certeza. É como dizer “tantos” anos de Brasil, depois de ter morado apenas em alguns estados brasileiros. Ainda tanta coisa a descobrir.

Os países aqui são todos meio bebês, quase todos definidos na famosa Conferência de Berlim em 1884-1885 (sim! Durou meses!), que ficou conhecida como a Conferência em que se fez o “scramble for Africa”. Quem convidou foi um gajo muito esperto, o Chancellor Otto von Bismarck, da Alemanha, ele mesmo não muito interessado em colônias na África. Reuniram-se 14 países europeus mais os Estados Unidos e negociaram ali mesmo, entre champagne e caviar, como é que iam dividir a África entre eles.

Estas fronteiras divididas em Berlim pelos europeus são as (mais ou menos) fronteiras atuais. Pode-se imaginar a confusão. Tribos inimigas ficando obrigadas a prestar obediência ao mesmo poder colonial enquanto famílias ficavam divididas e separadas legalmente por fronteiras.

É engraçado que depois nas décadas de 60 a 80, quando quase todos os países conseguiram a sua independência, resolveu-se não questionar aquelas fronteiras, assim mantendo a confusão. Na verdade, os governos depois da independência mudaram muito pouco as estruturas e instituições coloniais, com algumas exceções. As prisões e a violência do Estado, a burocracia da papelada interminável, a peruca nos Parlamentares do Quênia, a toga dos juízes, e por aí vai, tudo herdado e mantido dos tempos coloniais. Quando alguns locais ousam dizer que era melhor nos tempos coloniais, eu entendo que eles querem dizer isso mesmo: pelo menos era de verdade. A violência. A burocracia. A pose. Agora, tudo brincadeirinha. War lords e não uma ideologia do Estado. Confusão.

Mas então. Vim pela primeira vez em Março de 1995. Maputo, Moçambique. Não tinha idéia de onde era. Tinha visto no mapa, sem tempo de pesquisar, ainda não havia internet. Chegada no aeroporto. Ainda muitos helicópteros e tanques como carcaças mortas ao longo da pista de pouso e decolagem (eles dizem “descolagem”). O acordo de paz tinha sido assinado em 1992, depois de uma guerra sangrenta, uma das mais cruéis do mundo, que durou mais ou menos 12 anos, dependendo de onde a pessoa estivesse.

Moçambique é hoje minha casa, mas sofro. Quanta coisa superaram mas ainda tanta coisa por fazer! Enquanto o próprio Ministro da Educação manda os filhos estudarem na Inglaterra, o Ministro da Saúde trata a família na África do Sul, a população tem que se contentar com um serviço que melhora aqui e piora ali. Mas nem vale a pena esta conversa, é complicado demais, a pessoa tem que viver uns tempos por aqui. Mas no Brasil, como é que é? O Ministro da Saúde opera o coração nos Estados Unidos? O Ministro da Educação manda os filhos pra Harvard?

São 14 anos e quase no fim da história, porque no próximo ano só estaremos na África no curto prazo, por razão de algum trabalho meu, ou porque usaremos a base de Cape Town. Mas parece que a vida está fazendo uma curva em direção à França, com cara de longo-prazo.

Este ano, para celebrar esta espécie de pré-retirada, trabalho como louca. Muitos feedbacks positivos, muito carinho, muitas perspectivas. Aqui em Dar es Salaam, Tanzania, gosto de ouvir estes muitos passarinhos a me contar histórias na janela, enquanto reclamo da internet sempre ruim. Amo relaxar na piscina, sempre morna, enquanto reclamo da falta de energia elétrica. Adoro a cervejinha em frente à praia, enquanto me lambuzo de repelente contra os mosquitos transmissores da malária. Assim são os muitos lugares do mundo.

Lembro agora de uma cantiga da umbanda, que me dá alegria de viver da mala entre aeroportos:

“Exu fez uma casa, de 7 portas e 7 janelas

Exu fez uma casa de 7 portas e 7 janleas.

Exu não precisa de casa

Pomba-gira é que mora nela.”

E Caetano...

“Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...”